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quarta-feira, 20 de maio de 2009

Mais uma preciosidade do Davi Coimbra, meu peixe!!

Quarta-feira, 6 de Fevereiro de 2008
Crônica - Davi Coimbra

Hoje vou postar uma crônica de um dos meus autores preferidos, o David Coimbra, que também mantém um blog, o Blog do David.

Ela ou a bola?
Lá estávamos nós, aquela turma de malandros de subúrbio, gingando pelas ruelas do IAPI feito gatos vadios. Caminhávamos sem destino, falando bobagem, fazendo visagem, chutando lata, troçando um do outro. Quando nos aproximávamos do campo do Alim Pedro, deparamos com aquela turma. Não chegavam a ser nossos inimigos, como os neguinhos da Frei Caneca, mas eram rivais sérios, especialmente na bola.
Aliás, eles estavam com uma bola, artigo raro na época. A deles era uma lindeza, número 5, de couro, gomos pretos e brancos, reluzia de tão novinha. Deu água na boca ver aquela bola. O Ronifon era quem a conduzia debaixo do braço, com todo o cuidado, como se fosse um nenê, acho que não queria nem deixar que ela tocasse o chão, para não gastar.

Olhamos para eles, eles olharam para nós. Olhamos para a bola. Eles:
— É virgem.
— Ninguém jogou com ela ainda?
— Nunca foi chutada.
— Que tesão.
Fomos desafiados para um joguinho. Era mais do que um joguinho, na verdade; era um clássico. Eles eram de edifícios vizinhos, vivíamos nos estranhando, jogar contra eles era jogar um Gre-Nal. E ainda mais com aquela belezura daquela bola! Claro que topamos, topamos na hora. Só que tinha o seguinte: eu estava de chinelo. Não dava para enfrentar uma partida daquelas de pés descalços.
— Vou lá buscar meus guids! — anunciei, enquanto os outros gritavam, aflitos:
— Vai depressa! Vai depressa!
Saí correndo pelos paralelepípedos, voando entre os prédios amarelados da vila, os chinelos fazendo schlep, schlep, eu ia que ia rindo, até já sentia a sensação de meter um lançamento de três dedos naquela bola tinindo de nova, a bola fazendo um som seco, tuf!, e caindo direitinho no pé do Jorge Barnabé, lá na ponta direita. Corri, corri, estava quase chegando em casa, quando a vi.
Alice.
Sentadinha num banco de pedra da calçada, sozinha, dentro daquele shortinho branco que ela tinha, um shortinho pequeno, que deixava as bochechas das nádegas à mostra, o dorso coberto só com uma blusa leve, de alcinha, também branca, as pernas compridas e morenas cruzadas indolentemente, Alice ali, vendo o mundo passar sobre o asfalto quente da Plínio, uma luz distraída zanzando em seus olhos negros, Alice balançando o pezinho número 35, o chinelo pendente do dedão delicado, um dedão que parecia uma salsicha minu de tão saboroso, Alice, Alice, Alice, que oportunidade me surgia naquela tarde de verão, parei.
Tinha de parar. Dei uma brecada para restabelecer a respiração, estacionei em frente ao banco dela e ciciei:
— E aiam?
Ela me olhou:
— Ó.
— Sozinhazinha?
— É...
— Posso?
— Claro.
Claro! Ela disse claro. Claro é sinal de aprovação entusiasmada. Não é um "pode" ou um "senta aí", claro significa mas é evidente que fico feliz com a tua companhia, gostosão, é isso que claro significa.
Sentei.
E comecei com aquela conversinha. Ela ria e eu me entusiasmava, que é aquilo: o caminho para o coração de uma mulher é fazê-la rir. Já estávamos há uns 10 minutos na charla, aí lembrei: o joguinho! Não podia deixar os guris na mão, tinha que ir buscar os tênis e voltar para o campo. Eles deviam estar lá me esperando, ansiosos. Não começariam o joguinho com um a menos. E, além do mais, tinha aquela bola novinha, eu precisava jogar com aquela bola estalando de nova.
Mas ao mesmo tempo... Olhei para a Alice, tão linda. Como podia perder aquela oportunidade? Era a primeira vez que conversava com ela a sós, cara a cara, sentindo o hálito de chocolate branco dela, sentindo aquele cheiro de morena-jambo, cheiro de maçã verde e pimenta, cheiro de oceano.
Mas os amigos... Afinal, de mulher a gente troca; de amigo, jamais. As mulheres passam, os amigos ficam. As mulheres, elas dormem com você, elas partilham o teto com você, elas têm as maiores intimidades com você e, depois, vão embora e se tornam inimigas e falam mal de você e lhe cobram pensão. Os amigos continuam, os amigos nunca o abandonam, os amigos o aceitam como você é, um homem tem de valorizar os amigos. Mais até: homem que é homem não deixa mal os amigos. Homem que é homem coloca os amigos acima de tudo. Porque os amigos se entendem, os amigos se conhecem, os amigos compreendem tudo!
E foi o que me fez decidir. Fiquei com a Alice, é claro. Depois, os guris iam ter que entender. Os amigos compreendem tudo.

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