Sexta-feira, 20 de Junho de 2008
DAVID COIMBRA
coluna de hoje do Zero Hora, como sempre muito bem escrita, e com um assunto pertinente
Abaixo a felicidade
É que a felicidade é superestimada. Desde Freud isso, embora, claro, Freud não seja culpado.As pessoas querem ser felizes, ponto. Quando você pergunta para alguém:- O que você quer para o seu filho?Essa pessoa invariavelmente responde:- Quero que ele seja feliz.Depois, a criança cresce e os pais vão repetindo:- O importante é que você seja feliz, meu filho. Você está feliz? Você tem que ser feliz.A felicidade é o fim em si. O objetivo da vida.Trata-se de uma distorção rasteira. É como alguém dizer que trabalha para ganhar dinheiro. Quem trabalha para ganhar dinheiro provavelmente não ganhará dinheiro com o trabalho. Um teorema simples: ganha dinheiro com o trabalho quem trabalha bem, trabalha bem quem tem prazer com o que faz. Logo, quem tem prazer com o que faz ganha bem. Uma redução, sei, mas é para resumir que servem as reduções.A felicidade, se promovida a objetivo de vida, tudo o mais fica subordinado a ela. A pessoa luta por sua satisfação, o resto fica em segundo plano. Os outros ficam em segundo plano. Os valores da pessoa são ela mesma. Então, vale tudo para a obtenção da felicidade.O filho daquele pai que lhe repete que o importante é ser feliz, por exemplo, já crescidinho ele passa em frente ao orelhão e pensa: esse telefone ficaria bem no meu quarto, meus amigos achariam muito engraçado. Aí ele vai lá e arranca o fone. Leva-o para casa, orgulhoso.E o pai, ele desliza com seu carro pela cidade mastigando um Amor Carioca. Não sabe o que fazer com a embalagem do bombom e conclui: ah, o meu carro é que não vou sujar. Sem vacilar, abre a janela e atira a bolinha de papel no asfalto. A cidade não interessa, porque os outros não interessam.Esses mesmos personagens, pode chegar um dia em que eles ocupem algum cargo público. Pode ser que um dia lidem com o dinheiro público. O raciocínio deles não mudou, eles ainda acreditam que nada vale mais do que sua própria felicidade. E aquele dinheiro, afinal, é dinheiro de ninguém. Bem como a via pública e o fone do orelhão são de ninguém. Assim, por que não tomá-lo, o dinheiro público, e satisfazer seus desejos e realizar seus sonhos e, enfim, ser feliz?Os corruptos do Brasil, tanto quanto qualquer egoísta satisfeito que senta ao seu lado no trabalho, eles só querem ser felizes.Os corruptos brasileiros são uma chaga, mas também são uma bênção. Sobretudo para o gaúcho. O gaúcho acostumou-se a analisar o mundo com uma singeleza comovente. O gaúcho é contra ou a favor, é pelo sim ou pelo não, acha certo ou errado. Não é por acaso que a rivalidade Gre-Nal é assim acérrima. O gaúcho gostaria que a vida fosse um Gre-Nal. Bastaria escolher um lado, lutar contra o lado oposto e, pronto, não seria mais preciso pensar no assunto.Mas, não. A vida é um pouco mais sofisticada. As carroças atrapalham o trânsito e maltratam os cavalos, mas os carroceiros precisam sobreviver; o MST é violento, mas a questão dos sem-terra tem de ser resolvida; o Brasil depende da agricultura, mas a Amazônia há que ser preservada. Tudo tão complicado... Porém, se há corruptos, o quadro fica mais claro. Pode-se ser contra os corruptos, eleger os corruptos como culpados e dormir tranqüilamente. O problema é quando os valores da sociedade geram a corrupção. Aí fica difícil de identificá-los, os corruptos, porque eles estão em toda parte. Eles estão no meio de nós. E a vida fica complicada de novo
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