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sexta-feira, 1 de maio de 2009

AMIGO DAVI, UM PRESENTE P/NÓS

01 de maio de 2009 | N° 15956AlertaVoltar para a edição de hoje

DAVID COIMBRA

  • Os velhos da cidade

    Não estou preparado para a velhice. Cheguei a tal conclusão ao fazer aniversário, dias atrás. Na verdade, chego à mesma conclusão em todos os aniversários, desde os oito anos de idade.

    Bem. Um dia depois de tecer essas reflexões inquietantes, fui viajar e ouvi a seguinte frase do serviço de som do aeroporto:

    – Clientes da melhor idade têm preferência no embarque...

    Que história é essa de melhor idade? Se eles estão na melhor idade, por que o privilégio? Privilégio precisam os que estão na pior idade. Aquela loira de 19 anos que ali vai caminhando sobre duas longas pernas de garça, duas pilastras de carne rija revestidas de pele macia, sem um vinco, sem um naco fosco, pernas de louça reluzente, aquela menina fresca como as manhãs de outono, com sorriso de hortelã e olhar coruscante, ela é que está na pior idade. Ela é que merece privilégios. Por favor!

    Melhor idade. Velhice, digam o nome. Se tudo der certo, se tivermos sorte, todos envelheceremos, inclusive os que não estão preparados para isso, como o degas aqui. Aí, qual é o problema? O sujeito é velho, tudo bem. É novo, tudo bem também. Dizer que o velho está na melhor idade é o mesmo que dizer que ele está na pior idade. Tipo:

    – Como você está decrépito, putrefato, quase morto, como as pessoas olham para você com desdém e as mulheres riem das suas ridículas pretensões amorosas, vamos lhe dar um consolo: vamos fazer todo mundo dizer que você está na melhor idade.

    Um velho não precisa de elogios à sua idade. Precisa é de uma vida digna na velhice. Por exemplo: a cidade em que ele mora não pode lhe ser hostil. Ontem mesmo estive em uma cidade na qual vi velhinhos caminhando pela rua de braços dados, sentados nos bancos de madeira, conversando ao ar livre sem medo. Curitiba. Aqui pertinho, 55 minutos de Sete Meia Sete. Que inveja senti. E não foi inveja branca. Foi inveja corrosiva, amarga. Pensei: esses paranaenses falam pourco e pourta e queriam ser paulistas e constroem uma cidade dessas...

    Invejei-os, sim. Invejei, sobretudo, o Centro de Curitiba.

    O bairro mais importante de qualquer cidade é o Centro. Porque o Centro é de todos, por lá passam os moradores da periferia e os dos condomínios fechados, por lá passa até quem não vive na cidade, como o turista ou o visitante acidental. O Centro de Curitiba é limpo, arejado, organizado, iluminado e seguro. As pessoas convivem no Centro de Curitiba. De dia, circulam entre lojas e repartições públicas; à noite, riem nos bares, cafés e restaurantes, e arrastam os sapatos pelas calçadas irrepreensíveis.

    Em Porto Alegre, diz-se que o calçadão é um atraso, que uma cidade não pode prescindir do automóvel, como o corpo humano não prescinde do sangue a circular pelas veias. Mas em Curitiba o calçadão funciona, é um espaço civilizado de encontro, todos estão lá, crianças, adultos e o pessoal da melhor idade.

    O Centro de Porto Alegre é até mais bonito do que o de Curitiba. O traçado sinuoso das ruas, a arquitetura irregular dos prédios, o que há de torto em Porto Alegre a transforma numa cidade mais autêntica do que Curitiba. É uma cidade com história, Porto Alegre. As marcas da vida nem sempre fácil estão em cada uma das suas velhas paredes, das suas esquinas escuras. Mas Porto Alegre relegou seu Centro. Abandonou-o. Quem tem coragem de circular à noite pelo Centro de Porto Alegre? Eis aí a medida. A prova definitiva. Quando o porto-alegrense voltar para o Centro, a cidade estará redimida. Todo porto-alegrense. O rico, o pobre, o remediado e, principalmente, o velho. Quando o velho retomar o Centro, Porto Alegre estará, enfim, desfrutando a sua melhor idade.

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