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domingo, 21 de junho de 2009

A mulher dos cabelos molhados

A MULHER DOS CABELOS MOLHADOS
POr: Celamar Maione (jornalista)

Fim de festa. O dia clareava quando saí do apartamento de um amigo na Avenida Atlântica. Cansado, mas sem vontade de ir pra casa , resolvi andar pelo calçadão para respirar ar puro. Enquanto exibia um rosto exausto do sono perdido na farra, os adeptos da vida saudável se exercitavam á beira mar. Logo os primeiros raios de sol começariam a diluir as lembranças da madrugada.


Caminhava distraído pelo calçadão, quando avistei Elisabeth vindo em sentido oposto. Alta, magra, vestida com uma calça de lycra azul clara que marcava-lhe o corpo esbelto e uma blusa de malha branca. Os cabelos pretos e presos em um rabo de cavalo, deixavam-na mais jovial e charmosa . Esperei chegar mais perto e segurei - a pelos braços :
- Não me reconhece mais ? Mudei tanto assim ?
Ela sorriu sem graça e tentou disfarçar o constrangimento:
- Estava distraída, desculpe ! Que cara é essa de cansado ?
- Saí de uma festa na casa do Alberto.
- É verdade, você é o homem das noitadas.
- E você a mulher das manhãs.
- Por isso que não demos certo. Os opostos nem sempre se atraem.
Para cortar o início de uma provável discussão, mudei o tom de voz e num gesto carinhoso fiz o convite :
- Vamos conversar um pouco ?


Sentamos num banco do calçadão de frente para o mar tomando água de coco. Durante alguns minutos ficamos em silêncio. Lembrei-me de como amei e ainda amava Elisabeth . Nos relacionamos durante dois anos. Fazíamos planos de casar e ter filhos. Apesar de amá-la, nunca fui fiel . Ela descobriu minhas aventuras e terminou nossa relação, faltando um mês para o casamento. Ferida , viajou para a casa de uma tia em outro estado. Um ano depois voltou para a casa dos pais . A saudade me fez perceber o quanto eu a desejava. Tentei reatar . Ela não me quis mais.


As lembranças me vieram a cabeça. Quebrei o silêncio e perguntei , tentando aparentar naturalidade, mas sem querer ouvir a resposta :
- Já casou ?
- Vou me casar.
- Quando ?
- Daqui a uma semana .
- Você o ama ?
- Estou feliz.
- Perguntei se você o ama.
- A felicidade não tem nada a ver com amor.
- Não ?
- Amei você e não fui feliz.
- Ainda me ama ?


Apertou os lábios e olhou para o mar fugindo da resposta. O sol nascia forte , denunciando a chegada de um dia quente e de muito calor. Peguei-a pelas mãos :
- Vamos caminhar.


Uma sensação de liberdade tomou conta de mim. A mulher que eu amava e perdera, estava ao meu lado. Caminhamos pensativos durante meia hora. Elisabeth quebrou o silêncio me convidando para recordarmos os velhos tempos. Perfeito. Passamos a manhã entre os lençóis . Meio-dia ela se levantou decidida:
- Preciso ir , minha família deve estar preocupada.
- Não quer ficar mais ? Podemos almoçar juntos ?!


Ela sorriu e entrou no banheiro. Quando saiu, estava com a roupa de ginástica e os cabelos soltos e molhados. Colocou os tênis e me olhou secamente. Seu olhar me gelou a alma. Não era mais aquela mulher que vibrara em meus braços .
- Gostei do nosso encontro. Desejo-lhe tudo de bom . Seja feliz !
- Não vamos mais nos ver ?
- Não. Semana que vem serei uma mulher casada. – Sorriu sem vontade.
- Mas...
- Mas o quê ? Nosso encontro foi a minha despedida de solteira. Obrigada.
- Não sabia que você tinha se tornado uma mulher vingativa.
- Que palavra feia. Estou apenas vivendo os bons momentos. Não era o que você me dizia : “ Elisabeth, viva os bons momentos ?!”
- Podemos viver outros bons momentos se você quiser.
- Você conhece a palavra lealdade ?


Ela ajeitou a franja que insistia em cair nos olhos, jogou um beijinho com a ponta dos dedos e saiu . Demorei para me recuperar da surpresa . Corri até a janela e ainda a vi dobrar a esquina com os longos cabelos molhados .


Meu filho me sacudiu . Acordei assustado :
- Aconteceu alguma coisa ?
Ele sorriu:
- Pai, o senhor dormiu no sofá com a tv ligada. Depois diz que eu é que sou dorminhoco.
- É verdade – ri passando a mão pelos cabelos dele - ferrei no sono .
Desliguei a televisão e entrei no quarto. Deitei ao lado de Marizia. Ela fez um gesto com as mãos me procurando . Em seguida se virou para o lado e continuou dormindo.
Eu a conheci três meses depois do último encontro com Elisabeth. Casamos porque ela engravidou. Nunca a amei. Marizia é ótima esposa e excelente mãe. Nosso casamento é perfeito. Já dura oito anos. Tenho uma amante fixa há três . Ela não sabe. Acho.


Elisabeth é a mulher da minha vida. Nunca mais nos vimos. Ás vezes as lembranças são tão fortes que sinto o cheiro de seus cabelos molhados exalando um perfume suave pelo quarto. Feliz do homem que tem um grande amor para recordar.


Uma obra prima da amiga: Celamar Maione

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