Quando a noite já ia longe, os pássaros já dormiam, quando tudo se aquietava, os cães, apenas os cães zelavam por suas casas, os bebados desciam tropegos as ladeiras íngremes e tentavam de algum modo transpor suas dificuldades impostas pela falta de condicionamento reflexivo, o rouxinol havia adormecido numa árvore próxima, como a esperar o momento certo de avisar da chegada de um novo dia, pois sabia ele, ser necessário seu canto para despertar os notívagos, os embriagados, aos embevecidos pelas paixões noturnas, era preciso seu canto para marcar o momento da troca de algumas rondas, mas pobre rouxinol, para mim não precisaria cantar, pois de que adiantou Deus na sua infinita sabedoria, na sua imensurável bondade, ao dia e a noite criar? Se pelo menos para um filho Seu, a paz e a harmonia do adormecer, parece não ter doado, saio às ruas e vou de encontro ao primeiro bar, ali apenas dou de cara, com a porta quase fechada, queria eu que assim também estivesse meu pobre coração, mas não, está aberto, escancarado, deixando entrar quem quer que seja, pois tamanha é sua dor que já não sabe dimensionar, o que deseja e o que apenas lhe basta pelo momento, ando um pouco mais pela rua deserta, sem ter com quem dialogar,a não ser com minha própria solidão, aprofundo meu passo em busca da casa de mulheres, apenas mulheres, não importa nada, desde que sejam mulheres, uma porta semi aberta convida-me para entrar, paro, penso, tenho ainda forças para dizer não, tenho ainda um pouco de dignidade, para recusar convite tão fácil, continuo minha caminhada, mas direcionada, automática, com destino certo, indubitável, meus passos ... meus passos, parecem não ser meus, minha cabeça, por onde anda? Sei lá vai de encontro a ti junto a este corpo. já quase sem alma, já quase sem forças.
Paro, olho, um lindo jardim, com flores divinamente encantadoras, rosas amarelas, ah, nossas rosas, rosas amarelas, quão distante estão, mas parece que foi ontem, que te dei a primeira rosa amarela, lembro ainda do teu sorriso lindo, dos teus olhos de uma cor tão semelhante ao verde do mar, do teu corpo esguio, das tuas mãos, ah, tuas mãos, quão macias, quão próximas da macies das pétalas das amarelas rosas, como pode o tempo não passar para os homens apaixonados, como pode as coisas mais simples maltratarem tanto nosso coração?Medito ao olhar o jardim, contemplo ao olhar as rosas amarelas, tão lindas, me fazem sempre um poeta sonhador, pergunto-me porque me fez Deus ter tanta afeição por tão bela cor?Como em tantas coisas, fico sem resposta, delicio-me a pensar no seu sorriso, no seu abraço cândido, no seu beijo macio e quente, delicado, demorado, sei lá, tão profundo, mas tão ardente, que o tempo parece não ser capaz de desmanchar o seu sabor, vou andando, meio perdido, meio sonolento, a divagar, a poetizar, a perguntar, porque sofrem tanto os poetas? Será que outros corações são mais embrutecidos, são menos gente? Não creio, mas não creio mesmo, acho que apenas o meu é assim um pouco vadio, não quer trabalhar para buscar alguém, não quer lutar para encontrar alguém, aprendeu a apenas sofrer por você, óh coração vadio, vai à luta, vai a busca de outra, já fazes sofrer tanto a este corpo, a esta cabeça, a este todo, que daqui a pouco coração, restará apenas você e uma carcaça humana, e aí o que fazer desto resto de gente, desprezado por esta mulher? De que adianta questionar quem não quer escutar. Consigo pelo menos dar mais alguns passos, mas não consigo optar pela direção, vou no automático ao teu encontro, com a certeza de que não me queres, com a certeza do teu desprezo, sigo meus passos, que importa o adiantado da noite, se ainda que durante o dia tua resposta seria a mesma, meus passos são lentos, são curtos, mas são decididos, vai levando este corpo desprezado, esta mente abandonada, mas um coração apaixonado, passo lentamente, quase parando por sua casa, a vidraça do banheiro deixa-me ver que talvez estejas por lá, teu cachorro de tanto me ver, já comigo tem um bom relacionamento, diria que temos um bom entendimento, pois entre eu e ele, já não consigo dimensionar quem é mais irracional, que vontade de bater à tua porta, que angustiado desejo, mas controlo todo o meu ímpeto e vou lentamente passando, não consigo parar de imaginar teu banheiro amarelo em minha homenagem, teu vazo com rosas amarelas a lembrar nossos dias, nossa noites tão lindas, assim viajo na saudade, assim aprofundo-me nesta imensa solidão, mais uma noite sem você e com certeza ao chegar em casa, a insonia será novamente a fiel companheira e o rouxinol, cantará pra quase todos, menos pra mim, mas nem tudo é tristeza, ergo minha cabeça, volta meu brio, volta minha decisão de viver, preciso estar altivo, preciso estar com brilho nos olhos, volto a viver com a força de um bravo amante, preciso de algum modo adormecer, pra pelo menos durante o resto da madrugada esperar por você, esta graça, a graça de sonhar Deus ainda não tirou dos pobres poetas.
Devaneios noturnos, um momento de reflexão poético e altivo, pra pensar, apenas pensar!!
Por WBcastanheira
Adorei!!! Por acaso estava procurando algo diferente p meus alunos no encerramento do ano e me deparei com seu texto,parabéns. Bel- Itanhaém-SP.
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